A DESCULPA DE MERDA

De todas as mentiras insuportáveis que levamos de clientes, a pior é aquela que acompanha o cancelamento de uma reserva. Uma desculpa que oiço desde o primeiro dia que comecei a trabalhar numa loja de discos. Uma desculpa que perdoaria se não seguisse um padrão. Uma que, apesar de tão comum, também permite perceber quando alguém está a dizer a verdade. Só que quem a usa nunca está a dizer a verdade. Se estou a escrever isto hoje, é porque a li hoje num e-mail. Não foi a primeira vez nesta semana.

A desculpa de merda de todas as desculpas de merda. Aquela desculpa que imagino que seja comum a quase todos os negócios nos quais os clientes ainda podem reservar ou encomendar artigos. Aquela desculpa usada de forma tão fácil e, por vezes, desesperada que é depois redobrada com o pior gesto de todos, aquele que espeta ainda mais a faca e esboça tão bem a vulnerabilidade dos pequenos negócios à imbecilidade dos clientes. Imbecis, sim. Acreditem, se dissessem a verdade naqueles momentos, teriam todo o meu respeito. Respeito quem muda de ideias, quem não se acobarda e se esconde por detrás de uma desculpa de merda.

Se trabalha ou já teve um negócio destes, sabe do que estamos a falar. Se já usou a desculpa de merda, também. Para os outros, aqui fica: “Entretanto, já me ofereceram o disco.” Foda-se. Não sei quantas vezes já ouvi esta frase, mas sei que desde que a li ou a ouvi pela primeira vez soube que era uma mentira.

É fácil perceber uma mentira. Nós conhecemos os clientes. Nós conhecemos o mercado. Nós conhecemos o gosto das pessoas. Não é presunção, é poder de observação, rotina, foda-se - é o nosso trabalho -, nós sabemos o que as pessoas oferecem, onde o vão procurar, como escolhem, como jogam pelo seguro e quando compram (conto pelos dedos de uma mão as pessoas que oferecem ou trazem disco fora de datas especiais). Quando arriscam, arriscam connosco. Nunca sozinhas. E quando se trabalha numa loja de nicho, isto torna-se inato. Nós sabemos que ninguém te ofereceu aquele disco. Sabemos. Sabemos que estás a mentir. É um padrão.

A mentira é má, seria ok senão fosse redobrada com outros actos de cobardia. Desde o “em breve faço uma visita à vossa loja” ou, pior, “ se for um incómodo para vós, eu compro-vos o disco.” Não, otário do caralho. Não acabaste de nos pôr na posição de que te vamos obrigar a comprar algo que já tens, certo? Percebes o quão errado é colocares-te na posição de vítima? Não és, só estás a ser um otário (do caralho). Veste a camisola. Não é que te fique bem, mas veste-a. Pronto.

Veste-a porque é completamente ok dizeres que já não queres o disco. Nem precisas de dizer porquê, nós sabemos que os gostos mudam rapidamente, nós sabemos que a tusa de mijo desaparece tão rapidamente quanto cresce por outro disco, nós sabemos que às vezes o mês fica apertado e já não dá, nós sabemos que não dá para tudo, que foste gastar dinheiro noutro lado, noutra loja de discos ou numa garrafa de whisky, tanto faz, não quero saber. E sabes porque sabemos isto? Porque também acontece connosco. Somos como tu. Bom, mais ou menos, não somos uns otários do caralho.

É que é mesmo ok dizeres que já não queres o disco. Nem precisamos de saber porquê. Se disseres, é fixe, considera isso como um dado qualitativo.

Eu sei, é fodido. É fodido assumir, é fodido sermos honestos, colocarmos a realidade à disposição de alguém que provavelmente vai ter uma reação de merda do outro lado. Qualquer reação de merda é melhor do que ires para a prateleira dos otários do “ofereceram-me”. A reação de merda vai fortalecer laços, vai-nos tornar um-para-um, vais deixar de ser um cliente, passar a ser um gajo que diz a verdade, que aceita a verdade. Isso é melhor do que um cliente. E se quiseres ser só um cliente, tudo bem. Mas quando “ofereceram-me” vais direto para a categoria de otário do caralho. E, daí, vai ser difícil de sair.

É um poço de merda. Passamos a ser menos cuidadosos - é natural -, passamos a negligenciar as tuas preocupações: porque nos haveríamos de preocupar se és um cobarde de merda? Se pensares muito, vais ver que não estamos errados. O cliente não tem sempre razão. O cliente normalmente tem razão quando não age como se tivesse razão. Esses, têm a maior razão do mundo. Os outros são só imbecis à espera. Do quê? Não sei.