“Transistor” tem algo de glorioso. Actualmente é incomum entrar num jogo e não ser rapidamente introduzido a uma história, contexto ou um tutorial que sirva também de porta de entrada para o universo em que a acção ocorre e faça com que o jogador se sinta de imediato com o poder nas mãos. É um método facilitador mas também próprio de uma época em que os manuais de instrução deixaram de ter importância e em que os botões de um comando exercem diferentes tarefas em diferentes momentos. “Transistor” não tem nada disso mas também tem tudo isto.
É o modo como faz que importa, como introduz o seu mundo de forma fácil e sem qualquer necessidade de indicações ou, melhor, a única indicação é seguir em frente e descobrir o que há mais para a frente. Junte-se a isto uma mecânica de jogo que tem várias opções, as quais nem precisam de ser do conhecimento do jogador para avançar, mas a experiência de aprender a dominá-las oferece uma gratificação contínua e que vale a pena a ser explorada.
O jogo começa exactamente no menu inicial, aquilo que se julga ser um ecrã estático é o início de tudo. Red está deitada junto de um homem que tem uma espécie de espada enfiada no peito. Clica-se num botão e entra-se directamente no mundo de jogo, onde Red retira a espada do corpo do moribundo e começa a perceber que a arma tem uma voz, que será uma espécie de condutor/narrador da acção.
Tal como no soberbo “Bastion”, o outro jogo da Supergiant Games, a voz que se ouve pertence a Logan Cunningham e funciona como um intermediário entre o jogador e o jogo propriamente dito. Ao contrário da narração activa de “Bastion”, aqui a Supergiant optou para que a voz fosse mais uma consciência, um olho que interpreta e diz o que mudou, o que se passa à volta e o que se tem de fazer. Pode ser encarado como um narrador, mas dentro do jogo sente-se como outra entidade, uma espécie de interpretador do mundo que a Supergiant criou. Na Playstation 4 a experiência pode ser elevada para outro nível se direccionarmos essa voz para o Dualshock, torna o mergulho em “Transistor” mais tangível e acrescenta definitivamente valor ao todo.
A voz é um guia que dá as bases da mecânica do jogo e que aos poucos vai dizendo o que se está a passar. Porque a história de “Transistor” sente-se pouco como história, absorve-se, sim, o universo, sem que exista pressão para se seguir o fio narrativo. A forma como o combate absorve distrai dessa obrigação e liberta para explorar tudo o que resto que tem para oferecer. E se não der para descobrir ou para perceber tudo, “Transistor” não castiga e não faz com que se sinta que se está a perder algo. E essa é a maior conquista da Supergiant Games.
E conseguiu-o porque criou um sistema de combate único. “Transistor” é um action-RPG em que a única arma que o jogador tem ao seu dispor é a espada/Transistor. Ela absorve poderes de pessoas mortas na cidade e também se aprende funcionalidades novas à medida que se sobe o nível da personagem. Esses poderes podem depois ser direccionados para cada botão e também combinados de diferentes de formas com as células passivas (duas) de cada um dos quatro botões, ou adicionadas como capacidades gerais da própria personagem.
Dependendo do sítio onde estão ou da combinação que se faz com os poderes, o resultado é sempre diferente. Há o clássico mais forte/lento/próximo e rápido/fraco/distante, mas se formos experimentando combinações diferentes, o resultado é frequentemente surpreendente e abre por completo as opções para derrotar um inimigo. A isto acrescenta-se outra funcionalidade, talvez a mais importante a nível táctico de “Transistor”: Red pode criar turnos, em que o jogo pausa e é possível definir os nossos movimentos e ataques para uma parcela de tempo. Se o sistema de combinação é forte, com este planeamento estratégico “Transistor” abre portas para uma diversão contínua e imensamente satisfatória.
E se, por alguma razão, se estiver a achar o jogo fácil, é possível colocar limitadores, cada um com funções definidas e que após qualquer acção dão qualquer coisa de vantajoso ao inimigo, sendo a recompensa uma maior percentagem de EXP no final de cada desafio. E a cereja em cima do bolo para este sistema é que é muito difícil Red morrer, quando a sua energia chega ao fim, perde as capacidades acionadas num botão e regressa ao combate em desvantagem mas com a energia carregada. E quando isso acontece, o jogador fica algum tempo sem poder aceder aos poderes que estavam designados para aquele botão, que só voltarão a estar activos depois de se passar por um determinado número de terminais (sítios onde o jogo salva e onde é possível mudar a configuração do nosso equipamento). E na ausência de algo que se estava habituado a usar, fica-se obrigado a tentar uma coisa nova com os poderes disponíveis. Este sistema permite uma experimentação frequente e que tem, com regularidade, uma resultado positivo e surpreendente.
“Transistor” é um jogo pequeno, acaba-se facilmente em menos de seis horas, mas depois do jogo terminado há uma espécie de “New Game Plus” chamado de “Recursive” em que se volta ao início exactamente com tudo o que se conquistou até então, mas num modo ligeiramente mais difícil e onde o combate dá mais prazer por causa do maior número de opções que se tem e que se vai ganhando entretanto (porque é difícil, senão impossível, libertar todos os poderes numa única vez). E é no modo “Recursive” que “Transistor” se abre, em que ainda mais desprendido da história o jogador é convidado a libertar a sua imaginação e explorar a mecânica magnífica que a Supergiant Games criou. “Transistor” era um dos jogos mais aguardados para a Playstation 4, agora é um dos melhores que a consola tem.