Existe um choque nas primeiras horas em "GTA V". É o choque da novidade, sim, e também porque tudo, de repente, nos parece possível. O jogo é uma ferramenta para nós construirmos a nossa própria história e criarmos uma espécie de identidade "GTA". À medida que jogava via-me a mudar o visual das personagens com base no meu sentimento em relação a elas e não na imagem que eu criei delas.
Mas depois das primeiras horas, digamos, das primeiras dez, comecei a passar por estados diferentes. De repente já me sentia por inteiro naquele mundo e a necessidade de não precisar de ser integrado em algo levou-me, também, a considerar aquilo que via como novidade. Depois do espanto entra a aceitação, e depois da aceitação uma espécie de deslumbramento contínuo difícil de descrever. Na segunda metade do jogo comecei a tornar-me mais numa personagem do que alguém com um comando na mão.
Durante essas incontáveis horas existiram umas missões em particular que foram como regressar à infância: os assassinatos. Não qualquer uma, mas aqueles em que o Franklin atende um telefone na rua. O acto de atender um telefone público fez-me sempre lembrar os dois primeiro "GTA". É uma homenagem mundana, fácil de passar despercebida, e que através de um simples acto recorda os princípios do jogo. São missões algo desajustadas do resto - suficientemente over the top, sim, embora lhes falte um factor-surpresa que existe noutras com um carácter semelhante - mas que passam na perfeição aquilo que é "Grand Theft Auto".
As Crónicas de André Santos em Los Santos #7
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