Grand Theft Auto V

As Crónicas de André Santos em Los Santos #7

Existe um choque nas primeiras horas em "GTA V". É o choque da novidade, sim, e também porque tudo, de repente, nos parece possível. O jogo é uma ferramenta para nós construirmos a nossa própria história e criarmos uma espécie de identidade "GTA". À medida que jogava via-me a mudar o visual das personagens com base no meu sentimento em relação a elas e não na imagem que eu criei delas.

Mas depois das primeiras horas, digamos, das primeiras dez, comecei a passar por estados diferentes. De repente já me sentia por inteiro naquele mundo e a necessidade de não precisar de ser integrado em algo levou-me, também, a considerar aquilo que via como novidade. Depois do espanto entra a aceitação, e depois da aceitação uma espécie de deslumbramento contínuo difícil de descrever. Na segunda metade do jogo comecei a tornar-me mais numa personagem do que alguém com um comando na mão.

Durante essas incontáveis horas existiram umas missões em particular que foram como regressar à infância: os assassinatos. Não qualquer uma, mas aqueles em que o Franklin atende um telefone na rua. O acto de atender um telefone público fez-me sempre lembrar os dois primeiro "GTA". É uma homenagem mundana, fácil de passar despercebida, e que através de um simples acto recorda os princípios do jogo. São missões algo desajustadas do resto - suficientemente over the top, sim, embora lhes falte um factor-surpresa que existe noutras com um carácter semelhante - mas que passam na perfeição aquilo que é "Grand Theft Auto".

Os olhos também comem

Joguei muito pouco “Skyrim”, mas ouvi muita gente a falar sobre as suas aventuras neste capítulo de “The Elder Scrolls”. E vi imensos vídeos de gente a jogar. Ao longo do último ano acompanhei alguns dos meus almoços com vídeos de quase todos os cenários de “X-Com Enemy Unknown”. Os mais ou menos trinta minutos de cada um pareciam-me perfeitos para a ocasião. Contudo é-me difícil ter prazer em ver vídeos de malta a competir nas mais diversas competições que agora existem. Actualmente é algo que está em expansão, para alguns tem a mesma dimensão que o futebol tem para a maioria de nós, mas o simulacro da transmissão de um desporto a sério não me atrai. Mas gosto de ver gente a jogar, sem compromisso, alguns jogos.

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As Crónicas de André Santos em Los Santos #6

No início do Verão decidi que era altura de fazer um upgrade à minha forma de jogar. Costumava jogar com headphones, mas decidi investir nuns a sério para jogar, que ligassem directamente à PS3 e não à televisão. Assim foi e com os Elite da Sony consigo instantaneamente uma espécie de tunnelvision auditivo. Era o que queria, principalmente sentir que só estou a ouvir o que estou a jogar. E mais nada.

Esta experiência tem sido especialmente gratificante em "Grand Theft Auto V". Há muito para ouvir e aqueles momentos em parece que estamos a viver o momento certo com a música perfeita batem mais. Aleatório ou não, esses momentos tornaram sempre os "GTA" em jogos especiais. Por vezes parece que lê o nosso estado de espírito ou, então, deixamo-nos engolir totalmente por aquele universo.

Durante o meu primeiro heist a experiência pareceu mais intensa. Além de estar a jogar pela primeira vez uma das grandes inovações deste "GTA", é daquele género de coisas que gosto de planear e fazer nos videojogos. Não é que seja particularmente bom nisso, mas dá-me gozo. E é por isso que na primeira missão do género resolvi a abordagem "smart": sossegada e eficaz.

Não sei se o coração batia mais rápido, mas durante aqueles quinze/vinte minutos só queria ouvir aquilo. Os sons ao meu redor como uma certificação de que estava a fazer tudo bem, cada barulho ou fala uma espécie de frase do meu plano, um garante de que tudo estava em sintonia e que ia correr tudo bem.

Saio da joalharia e pego na mota. As duas primeiras vezes falhei no caminho certo e tanto numa como noutra fiquei alguns minutos a apreciar o silêncio da cidade. Por alguma razão, partes da cidade ficaram desertas durante o heist e eu podia andar na rua sem carros, sem pessoas, só ouvindo os meus passos e as indicações que os meus colegas iam dando. De repente, Los Santos parecia maior. Levar com aquela cidade no silêncio é qualquer coisa de aterradora como única.  Os meus ouvidos já não estavam habituados ao silêncio e de repente pareci-me engolido por ele, como se o estivesse a sentir numa situação no mundo real.

Voltei à missão e à terceira consegui, naqueles magníficos túneis em construção por baixo da cidade. Fiquei embasbacado com aquilo estar à acontecer. Às vezes estamos tão fascinados com tudo o resto que até esquecemos que estas situações e caminhos são comuns nestes e noutros jogos.

Acabo a missão. Sinto que cheguei a um marco importante no jogo e que a partir de agora vai ser melhor do que nunca. Estava satisfeito. Porém, num momento de silêncio entre troca de ecrãs, apercebo-me que alguém está a gritar fora do mundo do jogo. Tiro os headphones e noto que os gritos são muito altos, mas demoro a perceber o que era porque estava algo atordoado com tudo. Volto à realidade, percebo que uma vizinha minha está a ter um orgasmo, com a janela aberta. Por momentos pensei que ela estava a celebrar o meu primeiro heist, mas depois ao ver que a minha pontuação não tinha sido tão boa quanto isso, achei que aquilo era um exagero da parte dela e que não tinha nada a ver com o meu jogo. Tal como "GTA" às vezes encontra a música perfeita, o meu heist terminou com a conjugação falsa mas perfeita. Num breve segundo senti que os protagonistas de "Grand Theft Auto V" tinham inveja de mim: eles não moram em apartamentos.

As Crónicas de André Santos em Los Santos #5

Existem muitas coisas que "Grand Theft Auto V" nos deixa fazer, mas à medida que o jogo avança começo a sentir falta da existência de uma maior interacção com a cidade. Entrar em todos os edifícios é um velho problema e, na realidade, é-me difícil acreditar que alguém deseje que isso realmente aconteça, mas é um pouco frustrante que não exista maior interacção com os NPCs que circulam na rua.

Principalmente quando eles interagem connosco, chamam o nosso nome e tentar manter o diálogo. Por vezes há vozes que chamam a nossa atenção, parece que de repente vai acontecer molho, mas depois nada. Obviamente que o que acontece é fantástico, divertido e torna a cidade viva, mais viva do que em qualquer outro "GTA". Mas seria interessante que esse mundo vivesse mais, interagisse mais com as nossas personagens além de uma mera comunicação.

Noutras vezes, estamos a conduzir, e parece que há uma perseguição a acontecer ou um atrofio qualquer entre dois condutores. Esses momentos são incríveis mas, lá está, não deixa de ser frustrante que não tenham uma continuidade imediata e seja apenas algo para nos chamar a atenção, para mostrar que a tal cidade está viva.

Ontem acabei o meu primeiro heist. Resolvi fazer as coisas de forma suave. Experimento sempre a forma suave em todos os jogos até perder a paciência por não conseguir: não custa tentar. Mas é muito raro não acabar com tudo à bruta. Na primeira tentativa perdi-me da minha equipa e em vez de estar à procura deles, resolvi andar um pouco pela cidade. A cidade, durante o heist, parecida estranhamente deserta. Em parte não gostei, porque pareceu-me mais um daqueles facilitismos para tornar o jogo mais fácil/acessível (menos carros = menos confusão = menos acidentes), algo recorrente em pequenos pormenores do jogo (como não tem níveis de dificuldade, nivela-se à capacidade do jogador em certas ocasiões). Por outra, ver a cidade tão deserta, tão silenciosa, teve qualquer coisa de mágico. Haja mais momentos assim. E andar de mota por aqueles túneis? Incrível. Nunca me diverti tanto num sandbox. Dá que pensar quantos atalhos e caminhos do género existirão nesta cidade imensa.

E finalmente cheguei ao Trevor. Primeira missão com ele é realmente qualquer coisa, é daquelas que irei repetir até conseguir a medalha de ouro e matar os bacanos todos.

As Crónicas de André Santos em Los Santos #4

No artigo do Tom Bissell que podem encontrar aqui, ele refere que sente - e não está sozinho - que o "Grand Theft Auto V" é um jogo que já não é para si. Não está a dizer que não gosta, apenas a referir que não se sente tão conectado com aquele mundo como no passado ou com outros "GTA". Até certo ponto entendo, nem tanto em relação ao "GTA V", mas ao "Minecraft". Senti-me atraído pelo conceito, experimentei durante uns tempos e percebi que o nível de compromisso que pedia de mim nunca seria correspondido e, por isso, eu nunca conseguiria divertir-me com o jogo/conceito.

Quanto ao "GTA V", sinto que foi o jogo pelo qual sempre esperei. Não é o melhor jogo de sempre, muitas das coisas que gosto nem são particularmente originais e já apareceram noutros jogos e até de melhor forma, mas é a reunião de tudo, o facto de estar inserido naquele universo que faz a diferença.

Todos os "GTA" introduzem-te ao seu mundo de uma forma integrada. A Rockstar, ao longo dos anos, aperfeiçoou a linha entre a vertente história/missão do jogo e a parte do divertimento. A diferença ainda é perceptível, mas em V a forma como somos introduzidos ao mundo é tão natural e suave que, se não nos esforçarmos por perceber, essa diferença não se nota.

Em grande parte dos "GTA" - digo isto de memória, por isso não arrisco dizer todos - nós e a nossa personagem somos estranhos àquele mundo, temos de entrar nele, vir a conhecer, conquistar algo. Em V não. A pertença das personagens àquele universo faz com que tudo já esteja conquistado e pronto para nós usufruirmos. A sensação de que aquele mundo é nosso é imensa e isso faz com que o tempo se disperse, com que as nossas prioridades se dispersem ou desapareçam.

Entramos no jogo por lazer e às tantas a ideia de avançar constitui uma definição qualquer abstracta de trabalho. Então, ficamos no jogo encalhados nos lazeres que o jogo oferece, ignorando tudo o resto. Simultaneamente e entrelinhas, "GTA V" também nos premeia com isso. Isso não é novidade - nem em "GTA" nem em tantos outros jogos -, mas "GTA V" faz isso de uma forma em que avançamos nos jogo e que passemos para as missões de "trabalho" sem darmos por isso. Como se tivéssemos de férias. Há aquele momento de corte com toda a rotina, mas depois há aquela percepção de que há coisas na nossa rotina que gostamos, que gostamos de fazer e que passamos muito melhor com elas. E acabamos por fazer mais e melhor do que se não estivéssemos de férias. Afinal, temos a cabeça mais descansada. Em "GTA V" avançamos assim, sem pressas, sem tempo e sem uma hora para chegar a casa. Fazendo mais e melhor. Com mais satisfação.

Nada disto é novo. Nada disto é exclusivo de "GTA V". O que é único é isso tudo acontecer naquele mundo, naquela realidade, naquela narrativa que é uma paródia a uma certa cultura, mas que também faz parte dela. É isto o mundo em que vivemos, só que ali está tudo programado, em vez de sermos nós a fazê-lo, somos empurrados para o conhecer: está tudo lá, pronto para descobrir.

As Crónicas de André Santos em Los Santos #3

Prometi a mim mesmo que não iria fazer grandes disparates. Não tinha muito tempo e ia só começar a preparar o meu primeiro heist. Também tinha feito outra promessa: ir ao cinema. Não queria ir com o Michael, então passei para o Franklin. Pus-me a caminho e quando dou por mim estou a ajudar um gajo que foi assaltado na rua. Coisa rápida. Continuo. Mais à frente vejo um pontinho no ecrã, decido investigar e há uma celebridade que precisa de fugir de uns fotógrafos. Porque não ajudá-la?

E assim foi, mais uma fuga semi-fácil, fui quase até ao topo de Vinewood - se não estou em erro - e deixei a rapariga em casa. Missão cumprida. Sentia-me bem? Não, estava longe de tudo e estava a chover. Resolvi chamar um táxi.

O taxi interpretou mal o conceito de me apanhar e começou a subir a montanha. Foi estranho. Os bugs de "GTA V" por vezes não parecem bugs, parecem afirmações do carácter dos NPCs, quase transmitindo uma mensagem com um desejo de libertação. Aquele taxista parecia querer mesmo ser outra coisa, talvez sair do jogo ou passar para o "GTA Online". Tem calma, havemos de chegar lá.

Entrei no taxi e fui para o cinema. Já era de manhã e estava, obviamente, fechado. Salto para o Michael.

E a mulher dele tem um problema qualquer com a polícia. Vou lá salvá-la. Apesar de ser uma gaja insuportável. Está dentro de um carro da polícia e eu tenho de o gamar, enquanto outros polícias estão a olhar para mim. Ok. Talvez aquela hora e meia em que já estive a fugir à polícia por puro divertimento tenha servido para alguma coisa.

Serviu. Passado trinta segundos já os consegui despistar e agora só tenho de esperar. Michael e a mulher começam a discutir. Continuo à espera, um helicóptero aproxima-se, começo a temer que tenha de recomeçar a lenga-lenga da polícia de novo. Eles continuam a discutir. O helicóptero vai, resolvo meter-me a andar para casa, que fica já ali. Continuam a discutir. Chego a casa e a discussão continua, resolvo manter o carro uns centímetros antes do checkpoint, só para ver até onde a discussão vai. Poderia ter ficado ali uma hora na boa. Caguei-me a rir durante aqueles dois minutos em que estou parado, dentro de um carro da polícia à porta de casa, e o Michael e a gaja estão a ter alta discussão de casal. É melhor do que um reality show.

Posto isto, achei que seria melhor aliviar o stress com uma partida de ténis. A primeira. Fiquei agradavelmente impressionado pela qualidade, desiludido com a facilidade (espero que os campos não sejam todos assim). Dei uma valente abada, mas diverti-me. Pensei até que ponto a minha existência faria sentido se jogasse um jogo de 3 sets. Espero que isto exista no "GTA Online".

Acabei por não ir ao cinema. Mas comecei a preparar o primeiro golpe. Antes devo experimentar a TV em casa do Michael. Ainda não fiz isso. Devia tê-lo feito ontem, até porque a do Franklin é muito pequenina.

As Crónicas de André Santos em Los Santos #2

Ontem dediquei algum tempo ao Michael, isto é, a fazer algumas coisas com o Michael enquanto nos intervalos fazia umas missões. Era de noite quando me mudei do Franklin para o Michael, o Michael estava no seu carro preto, deprimido, frustrado com a vida. Pareceu-me uma boa altura para ir a um strip club.

Muito se fala de uma cena de tortura lá para a frente no "GTA V", mas para mim dificilmente superará os quinze minutos que estive no strip club. Havia algo de perturbador a acontecer no ecrã. Por muitas vezes me perguntei porque raio estava a ter um lap dance num videojogo, porque raio estava à espera que o segurança deixasse de ver para poder apalpar a stripper e porque raio estava eu a pensar nestas coisas. Foi extremamente incomodativo o apalpanço, porque a câmara passa para a primeira pessoa e de repente somos confrontados com a totalidade do ecrã cheia de pixéis que afinal são uma mulher, que estamos a apalpar e mandar comentários muita banais. Num jogo. Não foi particularmente divertido, mas de certa forma sentia-me como o Michael, queria algum conforto vazio naquela noite, talvez conseguir ir para a cama com uma stripper. Mas não foi particularmente agradável (especialmente porque fui corrido do bar no momento em que estava quase a satisfazer a segunda stripper do meu double-lap-dance; talvez assim tivesse continuado a noite num quarto manhoso). Mas irei voltar, claro. Gostava de jogar bilhar em "GTA V". Espero que haja bilhar.

As Crónicas de André Santos em Los Santos #1

Existe um momento nos open world/sandbox em que sentimos aquela necessidade de abrandar um pouco, desfrutar as coisas que existem à nossa volta, viver os prodígios que alguém criou para nós. Normalmente gostamos de entrar um pouco nas missões, sentir a presença da história e deixar o mundo dar-se a conhecer para depois o explorarmos um pouco melhor.

À semelhança de "Grand Theft Auto IV", este V diz-nos imediatamente que qualquer coisa é importante. Com a ligeira diferença em relação ao IV: essas coisas no V parecem ser mais importantes. Não se trata do mundo ser maior, mais vivo, de termos mais personagens para escolher e, inevitavelmente, mais coisas para fazer. E sim, porque desde muito cedo, o trabalho narrativo de "Grand Theft Auto V" é exímio e diz-nos para entrar no dia-a-dia das personagens. E entrar no dia-a-dia das personagens é, na primeira oportunidade que temos, oferecer um novo look ao Franklin, porque o amigo Lamar diz que ele assim não vai arranjar gajas. Pois, não sei. Mas quis-lhe dar um look mais próximo do Cutty de "The Wire". Pareceu-me perfeito e um óptimo pussy magnet.

Mas o que mais me marcou no primeiro dia foi ter passado, depois do prólogo e da introdução, para o Michael pela primeira vez. Primeira coisa que decido fazer? Andar numa montanha russa. Foi curto, divertido e a coisa sensata a fazer às três da manhã. Precisava de uns segundos para pensar no que fazer a seguir. E o que fui fazer a seguir? Fumar um charro, alucinar e matar aliens imaginários. Aqueles vinte minutos foram mais gratificantes do que alguns dias do nosso dia-a-dia.

Viver-Jogar

Estamos a poucas horas do lançamento oficial de "Grand Theft Auto V" (infelizmente, para mim, só me vai chegar às mãos daqui a uns dias). As críticas começaram a sair hoje de tarde e correspondem mais ou menos ao que se esperava: já se diz que é um dos melhores jogos de sempre. Algo perfeitamente compreensível, a maior parte dos "Grand Theft" Auto sempre se enquadraram nessa categoria quando saíram. Sempre fui um jogador doente pela série, desde o primeiro e passando pelas versões para as consolas portáteis (o "Chinatown Wars" é dos meus favoritos, até). E o único problema da série "GTA" é que com o tempo vamos descobrindo que não são jogos tão perfeitos quanto imaginamos inicialmente: têm os seus problemas.

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