No artigo do Tom Bissell que podem encontrar aqui, ele refere que sente - e não está sozinho - que o "Grand Theft Auto V" é um jogo que já não é para si. Não está a dizer que não gosta, apenas a referir que não se sente tão conectado com aquele mundo como no passado ou com outros "GTA". Até certo ponto entendo, nem tanto em relação ao "GTA V", mas ao "Minecraft". Senti-me atraído pelo conceito, experimentei durante uns tempos e percebi que o nível de compromisso que pedia de mim nunca seria correspondido e, por isso, eu nunca conseguiria divertir-me com o jogo/conceito.
Quanto ao "GTA V", sinto que foi o jogo pelo qual sempre esperei. Não é o melhor jogo de sempre, muitas das coisas que gosto nem são particularmente originais e já apareceram noutros jogos e até de melhor forma, mas é a reunião de tudo, o facto de estar inserido naquele universo que faz a diferença.
Todos os "GTA" introduzem-te ao seu mundo de uma forma integrada. A Rockstar, ao longo dos anos, aperfeiçoou a linha entre a vertente história/missão do jogo e a parte do divertimento. A diferença ainda é perceptível, mas em V a forma como somos introduzidos ao mundo é tão natural e suave que, se não nos esforçarmos por perceber, essa diferença não se nota.
Em grande parte dos "GTA" - digo isto de memória, por isso não arrisco dizer todos - nós e a nossa personagem somos estranhos àquele mundo, temos de entrar nele, vir a conhecer, conquistar algo. Em V não. A pertença das personagens àquele universo faz com que tudo já esteja conquistado e pronto para nós usufruirmos. A sensação de que aquele mundo é nosso é imensa e isso faz com que o tempo se disperse, com que as nossas prioridades se dispersem ou desapareçam.
Entramos no jogo por lazer e às tantas a ideia de avançar constitui uma definição qualquer abstracta de trabalho. Então, ficamos no jogo encalhados nos lazeres que o jogo oferece, ignorando tudo o resto. Simultaneamente e entrelinhas, "GTA V" também nos premeia com isso. Isso não é novidade - nem em "GTA" nem em tantos outros jogos -, mas "GTA V" faz isso de uma forma em que avançamos nos jogo e que passemos para as missões de "trabalho" sem darmos por isso. Como se tivéssemos de férias. Há aquele momento de corte com toda a rotina, mas depois há aquela percepção de que há coisas na nossa rotina que gostamos, que gostamos de fazer e que passamos muito melhor com elas. E acabamos por fazer mais e melhor do que se não estivéssemos de férias. Afinal, temos a cabeça mais descansada. Em "GTA V" avançamos assim, sem pressas, sem tempo e sem uma hora para chegar a casa. Fazendo mais e melhor. Com mais satisfação.
Nada disto é novo. Nada disto é exclusivo de "GTA V". O que é único é isso tudo acontecer naquele mundo, naquela realidade, naquela narrativa que é uma paródia a uma certa cultura, mas que também faz parte dela. É isto o mundo em que vivemos, só que ali está tudo programado, em vez de sermos nós a fazê-lo, somos empurrados para o conhecer: está tudo lá, pronto para descobrir.
As Crónicas de André Santos em Los Santos #4
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