Seth Gordon é hoje um homem já instalado em Hollywood que tem feito comédias satisfatórias nos últimos anos. Mas em 2007, quando isso ainda estava algo longe, realizou um documentário que mudou para sempre a forma de abordar os videojogos. "The King Of Kong: A Fistful Of Quarters" surgiu num momento importantíssimo. Primeiro porque estávamos numa altura em que alguns criadores independentes começaram a produzir jogos que exploravam as raízes dos videojogos, com os quais cresceram, e que agora, graças à tecnologia, conseguiram explorar um novo universo de linguagens e de possibilidades que redimensionaram alguns géneros que estão nos videojogos desde sempre. Isso não poderia ter acontecido por outras mãos, porque o mercado e a indústria viraram-se claramente para outro tipo de jogos e é actualmente impossível pensar que jogos como "Braid", "Super Meat Boy" ou "Shatter" pudessem aparecer originalmente nas prateleiras pelo nome de uma grande companhia.
Segundo, com o passar dos anos, é fulcral olhar para a história dos videojogos e perceber aqueles que se mantiveram fiéis a jogos a que se colaram na infância. A história de "The King Of Kong" anda à volta de "Donkey Kong" e um complexo sistema de tentar descobrir quem é o melhor jogador do mundo do jogo (sendo o mundo os Estados Unidos). Não vale a pena tecer longos comentários sobre o documentário, a não ser que lançou um padrão para os documentários sobre videojogos que se seguiram.
"Ecstasy Of Order: The Tetris Masters" (2011), de Adam Cornelius, dificilmente poderia existir sem "The King Of Kong". Aliás, ao longo do documentário há alguns jogadores de "Tetris" que descobriram a existência de uma leaderboard geral através do documentário de Gordon. Tanto um como outro não se limitam a ser documentários. E isso é um dos problemas que ocorre frequentemente no género. Criam uma narrativa dramática para agarrar o espectador. Em parte assemelha-se a uma reportagem TVI misturado com fumo de reality show, há uma dramatização excessiva do confronto e um excesso de vontade em criar uma história além do jogo e do lado fascinante de haver gente para cima dos 35 anos que durante anos e anos jogou somente um jogo. "Ecstasy Of Order" tem uma história fascinante, de uma jogadora que jogou sempre "Tetris" sem saber que uma das teclas virava as peças para o outro lado. E mesmo limitada conseguia pontuações absolutamente impressionantes. Mas este tipo de pormenores ficam um bocado ofuscados na narrativa central, viciada em querer encontrar uma linha dramática em que se possa apoiar.
Este tipo de técnica, ou estilo, surge inacreditavelmente num filme com uma ideia tão positiva como "Indie Game – The Movie" (2012), onde alguns dos mais populares e importantes criadores independentes desta geração surgem a falar sobre si, os seus jogos e o seu método de trabalho. A imagem que é transmitida de Phil Fish ("Fez") é simplesmente insuportável. É impossível ficar a gostar dele, simpatizar, porque parece ser aquele género de pessoa problemática que não se quer como amigo. Acredito que isso prejudicou bastante a sua imagem e a sua reputação, algo que se fez sentir recentemente por causa da polémica em volta do cancelamento de "Fez II". Contudo, é simplesmente um gajo que quis que o seu jogo transmitisse da melhor forma possível a sua visão e tudo aquilo que aprendeu durante o processo de criação de Fez. Lisanne Pajot e James Swirsky fizeram um bom documentário em volta de alguns criadores, mas o vício de querer contar uma história além do óbvio acabou por tornar amargo o sabor que fica no final. No lado positivo, há sempre Jonathan Blow, o criador do fenomenal "Braid", uma das pessoas que mais gosto dá ouvir falar na indústria actualmente (vale sempre a pena ouvir qualquer palestra que dá, mesmo que se perceba pouco do que está a dizer e que nos sintamos pouco inteligentes ao ouvi-lo). Estou ansioso por experimentar "Witness", o seu próximo jogo, que vai sair na PS4, apesar de ainda não ter percebi de que raio se trata. Prefiro ficar à espera para saber.
Certamente há documentários que fogem a este clima, mas ainda não os vi. É uma pena esse lado narrativo/reality show. Este tipo de documentos (tal como alguns livros que contam estas histórias) mostram um pedaço importante da história dos videojogos e pessoas com uma dedicação que dificilmente voltará a existir, pelo menos daquela forma. Hoje sentamo-nos confortavelmente em casa com inúmeras opções, antigamente passava-se imenso tempo em salões de jogos ou as pessoas ficavam agarradas ao único jogo que tinham: algumas sem o perfil habitual de um jogador de videojogos.
Apesar de tudo, recomendo qualquer um dos três, são óptimos para perceber como a curta história dos videojogos já é imensa e a importância do que anda a ser criado por pessoas que cresceram com videojogos. Essa ideia, de que há alguns anos os criadores são pessoas que cresceram com videojogos (e vale a pena pensar que daqui a dez, vinte anos, as pessoas que mandam em nós também terão crescido com videojogos), deixa-me feliz de que muito em breve os videojogos vão ser qualquer coisa de especial, muito maior do que mero entretenimento, mas algo capaz de ser percebido e assimilado pelas massas como uma criação artística e uma expressão artística como outra qualquer. A ideia de que os videojogos não podem ser arte porque são criados por diversas pessoas está ultrapassada. Em "Indie Game – The Movie" percebemos isso. É impossível olhar para "Braid", "Super Meat Boy" ou "Fez" e não vê-los como uma espécie de voz de uma Nouvelle Vague aplicada aos jogos. Exagero? Só quem está de fora é que não vê isso.
The King Of Kong, Ecstasy Of Order, Indie Game - The Movie e o futuro radioso
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