Com o passar de anos, ou décadas, porque entramos numa fase em que já se podem falar em décadas, começa a ficar mais claro, para quem hoje tem mais de vinte e cinco anos e viveu um determinado período dos videojogos, que há jogos que envelhecem melhores do que outros. É um pouco como tudo na vida, no caso dos videojogos há uma série de factores a ter em conta. Frequentemente a nossa memória funciona melhor do que voltar a reviver uma experiência, porque certos avanços em termos da jogabilidade, por exemplo, revelam que hoje em dia é praticamente impossível jogar certos jogos do passado sem perder a paciência.
Há uns que sobrevivem a isso, há outros que não. Mas uma das coisas mais fascinantes é de como tanta coisa que era deslumbrante há uns anos, hoje parecem horrendas. E é bem possível que daqui a uns tempos achemos o mesmo de muitas coisas do presente. Jogos que tentaram demonstrar alguma fotorealidade durante os anos 1990 aos olhos de hoje passam a uma ideia de impossibilidade de alguma vez terem sido adorados. Contudo, a boa pixelart permanece praticamente intacta ao tempo. E, jogadas nos sistemas originais, são melhores.
Isto para chegar a “Fez”. “Fez” é um jogo impossível de ter sido concebido na altura em que a pixelart dominava, e essa ideia de impossibilidade é o que torna objectos como este em qualquer coisa de especial. É como se, focando-me apenas na parte visual, a intemporalidade de um estilo marcasse em definitivo um jogo, independentemente da altura em que foi lançado. A dedicação de Phil Fish à pixelart e a sua obsessão com a perfeição foi uma, de tantas outras, das razões para os atrasos sucessivos de “Fez”. Isso está relativamente bem documentado no óptimo “Indie Game – The Movie”, onde Fish é uma das estrelas.
É com algum atraso que o seu jogo também chega às plataformas da Playstation (PS3, PS Vita e PS4), mas isso prende-se com direitos de exclusividade e a uma corrida à qual a Sony chegou atrasada, que ultimamente tem compensado como nenhuma outra empresa no mercado. E a verdade é que “Fez” joga-se tão bem hoje como se jogava há quase dois anos. E provavelmente vai ser tão bom no futuro como é hoje.
A ideia, tal como em tantos outros jogos de produtores independentes, nasce da experiência e das memórias que as primeiras gerações de consolas deixaram. “Fez” é um misto de jogo de plataformas com puzzle, tem um alfabeto próprio dentro do jogo e uma série de sinais que o jogador tem de aprender a interpretar. Não é estritamente necessário partir pedra, tirar notas, para aprender isto, porque pode-se chegar ao final do jogo sem passar por essa experiência. Só que é extremamente gratificante explorar tudo o que o jogo nos tem para oferecer, porque cada segredo, cada código que podemos decifrar abriga memórias de outros jogos. São incrivelmente bem desenhados e o prazer de resolvê-los é imenso e desvenda parte do universo maravilhoso que “Fez” contém e que está pronto para ser explorado.
E o mais importante é a própria mecânica do jogo em si. Começamos “Fez” num cenário em 2D e momentos depois é revelado que o mundo em que vivemos é de facto em 3D e que Gomez, o protagonista, tem o poder de virar os planos de forma a tirar o máximo proveito disso. Essa mecânica não só é inteligente, como oferece imensas possibilidades de jogabilidade e impõe-nos da melhor forma a beleza inominável dos cenários que Fish construiu. E há imensos cenários, cada um diferente e com um desafio relativamente exigente. Nas primeiras horas em que joguei limitava-me a passar de nível para nível para me deslumbar, sem prestar qualquer atenção ao caminho que estava a percorrer.
Fui alternando entre a Playstation Vita e a Playstation 4. Apesar de gostar muito de ter “Fez” nas minhas mãos, era quando passava para a Playstation 4 que ficava realmente deslumbrado. Os níveis numa resolução maior ganham uma outra dimensão, o que parece comprimido no pequeno ecrã da Vita, torna-se num quadro deslumbrante na televisão.
É uma chegada tardia ao universo da Playstation, mas é um acréscimo muito bem-vindo. “Fez” é daqueles jogos únicos que só podiam ter gerados e amados neste século, porque vêm de uma mente que cresceu com estes jogos e que teve tempo suficiente para germinar uma ideia a partir dessas memórias.