Reality Is Broken - Why Games Make Us Better And How They Can Change The World, Jane McGonigal

They serve to make our real lives better. And they serve the purpose beautifully, better than any other tool we have. No one is immune to boredom or anxiety, loneliness or depression. Games solve those problems, quickly, cheaply, and dramatically. Life is hard, and games make it better. (...) Games don't distract us from our real lives. They fill our real lives: with positive emotions, positive activity, positive experiences, and positive strenghts. Games aren't leading us to the downfall of human civilization. They're leading us to its reinvention.

Antes de mais, existem duas coisas a reter sobre este livro. Grande parte da experiência contada no livro é influenciada pela experiência e trabalho de Jane McGonigal. Isto significa que grande parte dos exemplos que dá, da sua tese, é inspirada por experiências que considera positivas sobre jogos que ajudou a conceber ou produzir. Coisa normalíssima, mas os exemplos que dá são claramente mais focados em jogos sociais ou ARG (Alternative Reality Game) que, muito honestamente, parece-me uma coisa mais de passagem do que para ficar. É óbvio que alguns dele podem e até poderão vir a ter alguma importância, mas é claramente uma coisa mais de novidade e de reacção a novas tecnologias do que propriamente algo que justifique que estes jogos tornarão as nossas vidas melhores.

Segundo, a primeira parte do livro é excelente. As outras duas nem por isso, porque são precisamente dedicadas ao que foi refiro no primeiro ponto. Além disso, parece mesmo um discurso de justificação de McGonigal para o seu trabalho. É tão giro e curioso quanto entediante.

Mas algumas coisas ficam do livro e parte delas estão reflectidas nas citações que coloquei acima. Para mim os videojogos são uma espécie de último patamar do entretenimento no nosso estado evolucional. Concretizam de uma forma mais activa o lado de divertimento que outras formas de entretenimento caseiras - e não só - criadas no último século. É melhor do que televisão, mas não substitui a televisão, é um prazer que traz uma recompensa ao corpo muito maior do que um livro mas, contudo, nem sequer pode ser comparável. É outra coisa, não se trata de ser melhor ou pior, mas pela participação activa do utilizador e com os avanços tecnológicos é, seguramente, algo que dá mais prazer do que qualquer outra coisa que possamos imaginar - relativa ao entretenimento, claro. Simplesmente porque temos a escolha nas nossas mãos, temos a escolha de não estar aborrecidos.

Além disso, é um meio que nos ensina algumas coisas práticas na vida, como também é um meio que ajuda a desenvolver certas capacidades. A razão é simples, num jogo ou videojogo somos constantemente obrigados a resolver problemas, muitas vezes a solucionar algo rapidamente. Somos também, na última década e meia, convidados a interagir, a trabalhar em grupo, a desenvolver acções que se calhar nunca teríamos equacionado, mas que pela proposição da narrativa do jogo somos forçados a conhecê-las, a reagir, a aprender. Claro que também há um lado mau nisto tudo. Tudo tem um lado mau.

Ao longo da minha vida aprendi muito com os videojogos. Não sei até que ponto isso tem sido útil na minha vida, ou até que ponto posso dedicar a razão exclusivamente aos videojogos, mas acredito que parte vem daí. Recentemente aprendi uma lição importante com os videojogos, não só com o funcionamento deles em si, mas pelo próprio mercado: a razão é simples, é um mercado em crescimento e, por isso, as respostas que dá ao consumidor são mais declaradas.

Sempre tive a opinião de que a melhor forma de mostrar o desagrado de algo é não participar nisso. Não é a queixa, não é chatear na internet, não é manifestar nas ruas. É simples, vivemos num mundo regulado pelo mercado e cada coisa tem um valor (eu tenho um valor e sou pago no meu trabalho pelo valor que isso vale). Se queremos que algo mude, o melhor que temos a fazer é mostrar que esse valor é zero. Não dar importância. Manifestando-nos com a nossa melhor arma: o dinheiro.

A Microsoft percebeu isso depois de ter apresentado a Xbox One. Percebeu que muitas das inovações que estava a apresentar eram contrárias à vontade do público. E apesar de saber que teria sempre um público fiel, que haveria um largo número de pessoas que simplesmente queria ter a sua máquina para jogar "Madden" e "Call Of Duty", esse número não seria suficiente para atingir os seus objectivos. Ainda para mais quando a concorrência - neste caso a Sony - lhes estava a mostrar que estavam a fazer tudo de errado. Não se tratou da Microsoft querer dar um passo muito grande, tratou-se da Microsoft abusar da boa vontade do consumidor.

Praticamente tudo o que era controverso mudou. Mudanças significativas no sistema, na arquitectura do sistema operativo da máquina. Grandes mudanças. Isso não acontece por acaso, nem por medo. Acontece porque simplesmente não sobreviveriam a um mercado que lhes estava a negar uma filosofia.

Ao longo deste ano e num processo contínuo de crise financeira, comecei a aplicar esta ideia de mercado ao governo. Não particularmente ao governo português, mas ao modo como somos governados e controlados. Portugal neste momento tem um valor, por mais baixo que seja, é um valor. E se as nossas vidas são controladas por esse valor abstracto, comecei a pensar que se calhar a melhor forma de me manifestar seria precisamente mostrar o valor que dou ao sistema que actualmente vivemos.

Dei por mim a pensar numa coisa que nunca tinha pensado, aliás, que sempre achei absurdo fazer por causa da minha educação: não votar. Nunca mais. Não que não acredite nos políticos, nas pessoas por detrás dos políticos, mas deixei de acreditar no sistema em que vivemos, deixei de acreditar no modo como somos governados e como esse processo todo funciona, principalmente quando o governo a cada passo faz aquilo que o estado nunca deveria fazer: deixar de cuidar dos seus cidadãos. Se a parte maior quebra o pacto social que existe, a melhor forma que existe de mandar abaixo um sistema passa, precisamente, por a base quebrar a sua parte do pacto social: não votar.

Não votar não é votar em branco. É simplesmente não votar. Não alinhar. Não assistir, concretizar a abstenção que tem crescido ao longo dos últimos anos. Mas a abstenção que cresce não é uma abstenção de desvalorização do sistema que vivemos, é uma abstenção cultural, de uma cultura de desinteresse: não só pela política, mas por tudo. Mas isso também são números e fazem parte de todo o sistema. Eu resolvi ser mais um número desse lado, não por desinteresse, ou porque me custe (em doze anos só falhei a umas eleições - europeias - porque não estava em Portugal - e nunca votei em branco), ou porque não saiba em quem votar. O sistema só cai se não fizermos parte dele. Se o valor que lhe dermos for zero. Se esse zero for uma realidade, aí sim faz sentido sair às ruas e gritar. Porque o objectivo número um foi conseguido: não é provar que as pessoas que nos governam não servem para nós, mas provar que o sistema é incapaz de cumprir as nossas pretensões.

Se somos governados por um valor abstracto - o de um país inteiro -, acho que a única forma de me manifestar não é sair para as ruas, mas tornar-me num zero e não num +1 nas mesas de voto. Mesmo que vote em branco. O +1 é uma presença, o zero é um zero.

É absurdo, ou talvez ridículo, que tenha desenvolvido isto através do meu contacto com os videojogos. Mas o que sinto é isso, é que jogar - não só videojogos - ensinou-me a concretizar o que sinto de uma forma concreta - algo que nunca tinha percebido na minha vida. Parece absurdo eu sei. Ridículo, até. Parece uma teoria de merda, também. Parece mais merdoso que tenha chegado aqui assim, ou que pense que tenha chegado aqui assim. É o que é. E é assim que me sinto.