Jogos como "Gunpoint" são revigorantes. Ao longo de três horas parece ir revelando aos poucos uma reinvenção dos puzzle-platforms com uma mecânica que é simples e muito gratificante. Faz sentir que a abordagem que se tem em cada nível é única para cada jogador.
Raramente senti que fosse difícil ou que se apresentasse como um grande desafio e coloco isso como uma qualidade e menos como um problema. Pode-se jogar "Gunpoint" de forma rápida ou lenta, mas cada movimento exige algum calculismo ou uma rápida leitura da situação. Seja como for, é fácil de falhar. Mas o falhanço é recompensado com um sistema de autosave inteligente que nos permite voltar alguns segundos para trás e refazer o nosso pequeno erro. E se há coisa que adorei em “Gunpoint” foi o modo como não castiga o jogador e o deixa experimentar à vontade. Quando falhei raramente tive que voltar muito atrás e a única vez que recomecei um nível foi por azelhice.
Ou seja, quer que o jogador experimente à vontade e, sobretudo, que se sinta convidado a fazê-lo e pouco frustrado pelos falhanços. É muito fácil falhar em “Gunpoint” mas é ainda mais fácil perceber porque aconteceu e qual é a solução. E isto é importante num universo onde é difícil abordar os inimigos directamente, é preciso contorná-los, arranjar armadilhas, apanhá-los desprevenidos.
E esse sistema é de topo em “Gunpoint”. O jogador é um detective que está a investigar um homicídio. Não são muitas missões e não se tornam necessariamente mais difíceis, porque com a aprendizagem tudo se torna acessível. E talvez o único ponto negativo é sentir que essa curva é curta, não que o jogo fosse melhor se fosse mais longo - não seria e há imensas razões para voltar a jogar alguns níveis - mas no momento em que se sente que se domina tudo, há poucas oportunidades para explorar isso.
A Minha Biblioteca
A Minha Biblioteca: Sly Raccoon And Thievius Raccoonus
Ao longo dos seus vinte anos de existência, a Playstation teve dificuldades em arranjar mascotes, personagens que carregassem a simbologia da marca e que através da sua figura representassem também a filosofia da consola. Provavelmente uma das chamadas de atenção para esse facto é a forma como “Playstation All-Stars: Battle Royale” passou despercebido e como realmente não teve um impacto na comunidade semelhante ao de “Smash Bros” da Nintendo.
A Nintendo é facilmente associada a Mario e a Zelda/Link e a uma multidão de personagens, a Sega tinha (e no imaginário universal ainda tem) o Sonic, a Playstation ao longo dos anos foi mudando o seu rosto, ao ponto de que se hoje perguntarmos por uma figura/mascote que represente a Sony, o consumidor menos atento não saberá responder. Esse papel já passou por Crash Bandicoot, Jak & Daxter, Sly Raccoon, Kratos, Sackboy ou Nathan Drake. Ou até mesmo figuras de estúdios que não pertencem à Sony e que durante anos trabalharam em exclusivos, como Solid Snake de “Metal Gear Solid” ou Cloud de “Final Fantasy VII”. A Sony não tem, de facto, figuras que espelhem a sua história, mas tem momentos da história que exibem a sua memória: e é por isso que o seu trabalho de marketing em volta dessa memória aquando do lançamento da PS4 foi perfeito.
E é estranho que uma marca com personalidade como a Playstation não tenha uma figura com igual personalidade. Que não seja só uma imagem, mas um elemento que espalhe toda uma filosofia, como Mario fez e ainda faz, ou Sonic na altura da guerra entre a Super Nintendo e a Mega Drive/Genesis. Contudo, tem figuras que atravessam toda uma geração de consolas e que a marcam, Crash Bandicoot terá sido das mais importantes, porque definiu claramente uma linha para muitas das que a seguiram.
Sly Raccoon viveu, sobretudo, durante os anos da Playstation 2. Foi o início da colaboração da Sucker Punch (“INfamous”) com a Sony, criando uma espécie de jogos de plataformas na terceira pessoa que cruza uma série de outros géneros, seja através da sua jogabilidade normal ou através de níveis que funcionam quase como mini-jogos. A forma como é feito foi inteligentíssima na época e ainda hoje sobrevive bem ao teste do tempo.
O estilo animado escolhido para ilustrar o universo de Sly também se aguentou bem, a animação sustém bem o nível de detalhe e as cores e o modelo em que o protagonista foi criado são inteligentes e permitiram uma transição suave para a sua única entrada original na Playstation 3 e na PS Vita (“Sly Cooper: Thieves in Time”).
Depois de o ver várias vezes pela cidade de “INfamous: Second Son”, resolvi voltar a jogar a trilogia original nas suas versões remasterizadas para PS3. Fiquei agradavelmente surpreso pela forma como o trabalho artístico ainda se mantém fresco. Percebe-se com facilidade que é uma remasterização, mas ao contrário de outras não há uma sensação de filtro baço nalguns momentos. A animação é fluída e as cores vivas permanecem constantes: há momentos em que parece mesmo um cartoon e não um jogo. Isso é algo que já se sentia nas versões originais, mas aqui o upgrade que se fez a nível gráfico é claramente benéfico para o universo e faz, até, com que os movimentos da personagem pareçam mais contínuos.
Contudo, o que realmente me agradou é como o jogo sobrevive ao teste do tempo. Mais do que me sentir nostálgico, senti-me feliz por estar a jogar um jogo de plataformas que não tem medo de ser frequentemente outras coisas: e quando o é, faz muito bem, não é apenas uma distração para fugir a mecânicas repetitivas. Nostálgico, porque foi frequente na geração da Playstation 3 encontrar formas de contornar essa repetição com novas abordagens que por vezes não eram interessantes ou desequilibravam o ritmo de jogo: mais uma espécie de isco para mostrar diversidade do que algo que se sente como necessário. E em “Sly Raccoon And The Thievius Raccoonus” é quase uma bênção quando esses momentos chegam, porque alguns deles chegam a ser mais divertidos do que a mecânica principal. Estou curioso para saber como os outros dois se aguentam.
A Minha Biblioteca: Resogun
Ao escrever recentemente sobre o novo "Dead Nation: Apocalypse Edition" para a Playstation 4 apercebi-me de como "Resogun" serviu para voltar a ter razões para não me cansar de shooters. Mais do querer ser melhor, eu queria ultrapassar os desafios, a um nível de dificuldade cada vez maior. Melhorar a minha pontuação, apesar de ser nuclear para o jogo, era um objectivo mas não uma necessidade. Tornou-se uma necessidade em ganhar o troféu de platina, algo que demorei a fazer porque fiquei demasiado deslumbrado com aquela nave que dispara homing missiles e que torna o último nível numa autêntica festa. Mas também torna muito mais difícil a obtenção de alguns troféus.
A nova versão de "Dead Nation" é um incentivo para terminar um jogo que nunca cheguei a acabar. "Resogun" puxou ao máximo pela minha perícia em dual-stick shooters e está tudo encaminhado para que corra bem, mas uma campanha solitária em Undead tem sido um desafio.
A Minha Biblioteca: Limbo
A Playstation 3 chegou algo atrasada a títulos relevantes de produção independente que fizeram furor nos últimos oito anos. Por essa razão eu também cheguei atrasado a alguns deles. Por essa e porque demorei algum tempo a interiorizar que valeria a pena jogar estes jogos na consola que tinha em casa. Eu, durante algum tempo, tinha na cabeça de que não fazia sentido jogar aqueles jogos num aparelho tão caro.
Sem ter a certeza, arrisco que a primeira experiência foi o o incontornável e maravilhoso "Braid". Algum tempo depois seguiu-se "Limbo" (Playdead, 2010). Não sei o que me levou a experimentar "Limbo", só sei que passado poucos segundos já estava rendido. Há qualquer coisa em "Limbo" que faz com que não seja um jogo, que seja como uma espécie de quadro em movimento, da mesma forma que "Journey" o é.
Artisticamente é lindíssimo. Estive recentemente a jogá-lo na Playstation Vita e apercebi-me também de como o som desempenha uma função primordial em tudo, apesar de nos alertar dos perigos, o fundamental está na forma em como o som desenvolve um papel narrativo, expressando o medo de uma situação que pouco tem de concreto.
O limbo de "Limbo" é a incerteza em que o protagonista se encontra e a indefinição de que se aquilo é uma história de sobrevivência ou um rito de passagem. Se é uma fuga ou uma espécie de libertação pelo tal rito. Os perigos em Limbotanto passam pela mítica aranha - há algo de memorável naqueles 10/15 minutos em que regularmente se foge desta ameaça - como por outros humanos, que tanto parecem andar à caça como a pregar uma espécie de partida.
"Limbo" é um videojogo de plataformas que sabe compensar a falta de uma necessidade de história com mistério. A inexistência de uma resposta para o que se passa é uma conjugação perfeita com o estilo artístico do jogo. O ambiente, o vazio para que suga o jogador é muito cinematográfico. Não por ser cinzento/preto e branco e isso aludir para um certo cinema clássico nórdico (a base da Playdead é dinamarquesa) e, sim, porque há uma conjugação de todos os elementos que nos fazem sentir que estamos a presenciar algo maior do que realmente é.
Essa transcendência de "Limbo" é a sua arma mais forte. Tão desolador como bonito, é um sonho que presenciamos activamente com as mãos. E continua fresco e anos à frente de muitos dos que se seguiram dentro do género.